Jornal dos Desportos

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Entrevistas

Domenech quer triunfo da França

09 de Dezembro, 2013

Falante, Domenech abordou outros assuntos, dos erros de 2010 à admiração por Pep Guardiola, além de ter revelado as suas expectativas para os Bleus em 2014 e 2016. Confira a entrevista.

Fotografia: AFP

Você participou em dois sorteios finais, antes das Copas de 2006 e 2010. Recorda-os como momentos de angústia e stress?
“O stress vem de antes. A pressão aumenta tanto durante as eliminatórias, principalmente quando se passa pela repescagem, que o sorteio é uma espécie de alívio. A gente pensa: "Uau, chegamos lá" É uma nova etapa. Saber contra que equipas se vai jogar é ficar mais perto da Copa do Mundo. De facto, é mais uma excitação do que uma angústia. Participamos sobretudo para colher informações, mas é bem verdade que também queríamos saber contra quem cairíamos. Dá vontade de ver os outros treinadores, é um momento de encontro e de contacto. Ainda não existe aquela pressão inerente à competição. É um momento de confraternização, no qual todos ainda são amigos. Mais tarde é outra história. (risos)

Em 2010, o sorteio da França foi considerado "favorável", com Uruguai, México e África do Sul, mas os Bleus foram eliminados. Era melhor cair com selecções tidas como mais difíceis?
Quem diz que um sorteio é favorável é a imprensa, os técnicos nunca dizem isso. Claro que todo o mundo prefere evitar a chave da Holanda e Brasil, mas sabemos que as outras três equipas vão disputar os jogos das suas vidas de qualquer maneira. O nível é muito equilibrado. Lembro que em 2006 tivemos a Coreia do Sul, Togo e Suíça, que tínhamos acabado de enfrentar nas eliminatórias e que, na verdade, não queríamos enfrentar de novo. Foi terrível, classificamo-nos na última partida, de maneira apertada. Depois  fomos até à final...

O segredo é manter a humildade, independentemente do resultado do sorteio?

O segredo é chegar com recursos. Sabemos que vai ser difícil e que temos vontade de ir longe. Não vamos como vítimas, para dançar samba ou fazer turismo durante 15 dias. Vamos para tentar ganhar a Copa do Mundo, chegar o mais longe possível. O objectivo é esse e é preciso colocá-lo na cabeça desde o início. Não é uma questão de humildade, a palavra não é essa. A França classificou-se, e isso significa que tem os recursos para fazer alguma coisa. Se enfrentarmos o Brasil ou a Jamaica é a mesma coisa, temos de começar com a ideia de ganhar todos os jogos. O mais complicado é quando se entra em campo. Em função da fisionomia da partida de estreia, tudo pode mudar.

Jovens jogadores como Paul Pogba e Raphaël Varane estão a ganhar espaço na selecção francesa. Eles deviam ser os líderes da equipa no Brasil?
É hora de comprovar qualidade. Se ser líder da equipa significa mostrar que se é forte, que se está no seu melhor nível, então sim, que eles sejam líderes, de bom grado. Eles vão precisar de ser bons, a França inteira espera isso. A liderança de uma equipa  constrói-se pouco a pouco, e não acho que com 20 ou 21 anos se possa ser um líder. O Zidane começou a liderar com 26 ou 27 anos, por exemplo. Não se pode colocar a carroça à frente dos bois. Se eles conseguirem um bom desempenho, mostrarem o seu melhor futebol para ajudar a equipa, já é bom. Em certo sentido, até o Benzema é um jogador jovem. Ele vai ter a oportunidade de provar numa grande competição que é capaz de contribuir com a selecção francesa.

O problema não vem do facto de, desde 1998, o adepto francês esperar que a selecção ganhe sempre, ao passo que os jogadores talvez não tenham o mesmo talento daquela geração?
É o que acontece com todas as selecções. Tirando o Brasil, que pode ganhar a Copa do Mundo a cada quatro anos, todos os países se defrontam com a questão das gerações, com picos e momentos mais difíceis. Uns atravessam isso melhor que os outros. É o caso dos alemães que, mesmo quando estão em baixa, conseguem sempre chegar aos quartos- de-final ou às meias-finais das principais competições. Para nós, porém, o momento de baixa era para ser agora, logo após a geração excepcional de 1998 a 2006. Contudo, nesse "menos bom", fomos finalistas do Campeonato Europeu sub-17 e campeões mundiais sub-20, o que significa que já existe potencial, que uma geração está a surgir. Na minha opinião, estamos na curva ascendente e vamos ser competitivos outra vez nos próximos anos, para a Euro 2016 e as Copas do Mundo que vêm a seguir.

Como geriu a era pós-Zidane?
Durante os meus seis anos como técnico da selecção francesa senti como se tivéssemos passado de uma equipa extraordinária, com jogadores que atingiram a maturidade, para uma geração que perdeu o fio da meada. É a grande diferença entre "herdeiros" e "sucessores". Para mim, houve uma geração de herdeiros que viveram da herança dos antigos, mas que não souberam trazer a sua experiência à construção do edifício.

Identifica os erros que
cometeu em 2010?

Depois, tudo pode ser explicado. Mas se eu disser: "Ah, eu não devia ter escolhido fulano ou beltrano", o que me garante que outra escolha era melhor? É a base do futebol, a realidade da vida: quando fazemos alguma coisa, não serve para nada lamentar e pensar que devíamos ter feito diferente. É tarde demais, está feito, não mudamos nada. Às vezes há coisas que ultrapassam a lógica. Fazemos contra todas as expectativas porque sentimos algo, ser treinador é isso. Às vezes reclamamos e às vezes temos razão. Foi o que aconteceu comigo em 2006. Fui contra ventos e marés e fui vivamente criticado já naquela época. Mas segui as minhas escolhas e, no fim, só o resultado importa. Se se ganha, somos o melhor do mundo. Se se perde, não somos ninguém. É a lei do nosso desporto.

Dá grande importância ao jogo colectivo, uma virtude fundamental do Barcelona. O que pensa das pessoas que acham o futebol barcelonista entediante?
Essas pessoas deviam mudar de desporto. Não é uma equipa que rode a bola por rodar, ao contrário do que às vezes se acredita. O Barcelona movimenta a bola para criar espaços e encontrar soluções. Eles atraem o adversário para melhor imobilizá-lo, desestabilizá-lo e encontrar espaços. Além disso, se você observar bem o trabalho de recuperação defensiva do Barcelona, é toda uma arte. Para mim, o ideal do jogo é colectivo, seja ao estilo do Barça ou não. O fundamento está na relação colectiva, tanto no plano ofensivo quanto na defesa. A essência do futebol é a relação que se cria entre uns e outros. O meio é a bola e a movimentação, o resto é a magia do colectivo.

Admira o trabalho realizado por Pep Guardiola no Barcelona?
Antes de Guardiola, o Barcelona já jogava da mesma maneira. É a tradição do futebol holandês que foi importada na época do Johann Cruyff e desenvolvida no clube desde então. Guardiola estava impregnado dessa cultura nos tempos de jogador, sobretudo ele que era volante, no centro das acções e da movimentação. É um sistema baseado na solidariedade que funciona se todo mundo se esforçar ao mesmo tempo, no mesmo lugar, na hora certa.

Ele também está a fazer muito sucesso no Bayern de Munique, o que era um verdadeiro desafio...

Que ele tenha conseguido levar essa cultura para o Bayern é realmente impressionante. Vemos a equipa jogar curto e fazer o dobro de passes, características que não tinha no começo. Mas isso é algo que pode ser feito com jogadores de alto nível, como os que ele tem em Munique. Ele trouxe a sua bagagem táctica para um clube campeão alemão e europeu. É corajoso, exige convicções muito fortes e uma capacidade de instilar pequenos toques aqui e ali no jogo. Achei que foi inteligente da parte do Bayern mudar o estilo de treinador depois da tríplice coroa. Quando você ganhou tudo, se retomar as mesmas pessoas, é só uma repetição, portanto existe o risco de um desgaste. No Bayern, a cultura mudou, então os jogadores são levados a interrogar-se e isso acarreta mais concentração na adesão ao projecto.